Depois de várias semanas de marcha, travando combates, a 2ª Coluna da IV Expedição encontra-se em posição privilegiada de ataque a Canudos, já tendo iniciado o bombardeio, quando o Gal. Cláudio Savaget recebe ordens do General Comandante Artur Oscar para socorrer a 1ª Coluna que estava em situação desesperadora, com munição esgotada e envolvida pelas emboscadas organizadas por Pajeú, que magistralmente liderava seus "guerreiros invisíveis" encurralando toda a Coluna no Alto da Favela. Savaget altera seus planos e imediatamente segue ao encontro da 1ª Coluna, salvando-a de uma derrota fragorosa.
Foto: Flávio de Barros
Explode o canhão Withworth, o célebre 32, trazido pela IV Expedição puxado por 13 juntas de bois e apelidado de "matadeira", devido ao imenso estrago que provocava no meio conselheirista. Este acidente provoca a morte de dois oficiais e o ferimento de quatro praças.
Um grupo de 11 guerrilheiros conselheiristas, liderados por Joaquim Macambira Filho, investe contra a artilharia do Exército na tentativa frustrada de destruir os canhões que bombardeavam Canudos. Esses ataques, heróicos e suicidas, cada dia tornavam-se mais freqüentes.
Com uma salva de 21 tiros de artilharia, o comando da IV Expedição Militar comemora em pleno sertão nordestino, e em meio a um autêntico massacre contra os conselheiristas, o aniversário da Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade e Fraternidade.
Os militares promovem contra a resistência canudense o grande assalto de 18 de Julho. Todas as forças foram acionadas e 3.400 homens iniciam a ofensiva. Durante várias horas o combate foi sem tréguas e a muito custo os soldados conseguem transpor o rio e dominar um pequeno trecho de casas da periferia, porém, devido ao fogo cerrado, tornava-se impossível avançar mais. Ao final do dia, as perdas eram assustadoras e o Exército acusava 947 baixas e uma cruel constatação: o grande assalto fracassara.
O General Artur Oscar, comandante em chefe da IV Expedição, faz um relato dramático da situação das forças militares e pede ao governo federal um reforço de 5.000 soldados. O desânimo predominava em toda a tropa e as baixas chegavam a casa de 2.000 homens. O transporte de víveres e de munição era muito perigoso, pois os conselheiristas promoviam emboscadas pelas estradas, dificultando assim o abastecimento e a comunicação da Expedição com a base das operações em Monte Santo (BA). Os oficiais que tinham participado da Guerra do Paraguai (1865 - 1870), afirmam: "jamais vimos combates como os de Canudos".
Foto: Flávio de Barros
O Governador Luís Viana declara ao jornalista Fávila Nunes correspondente especial de guerra da Gazeta de Noticias (RJ): "Se for pegado Antônio Conselheiro, tudo estará terminado; se porém ele fugir, será preciso persegui-lo onde quer que esteja, para não formar mais grupos".
De Salvador (BA), partem para Canudos 24 estudantes de medicina com o objetivo de servir nos hospitais de sangue do Exército.
Euclides da Cunha desembarca do vapor Espírito Santo em Salvador (BA), como correspondente de guerra do jornal O Estado de São Paulo, periódico no qual já havia escrito dois artigos intitulados "A Nossa Vendéia", publicados em 14 de Março e 17 de Julho de 1897. Euclides demonstrava vivo interesse no tema, e nas semanas seguintes recolhe material de pesquisa e entrevista soldados feridos e prisioneiros conselheiristas recém chegados da zona de combate. No final do mês, vai para o palco da guerra, passando por Queimadas e Monte Santo, chegando em Canudos a 10 de setembro e ficando ate 3 de outubro, dois dias antes do final da guerra.
Parte de Monte Santo a famosa Brigada Girard. Formada originalmente por 1.090 homens, com 850 mil cartuchos Mauser, ao longo do caminho foi se reduzindo drasticamente, pois a proximidade do cenário da guerra provocava uma crescente onda de deserções de praças e pedidos de baixas de oficiais que envolveu até mesmo o seu comandante, o General Girard. A famosa e intrépida Brigada se apresenta dia 15 no Alto da Favela, com um Major comandando 800 homens amedrontados e o apelido nada lisonjeiro de "mimosa".
"Escapa, escapa, soldado
Quem quiser ficar que fique
Quem quiser morrer que morra
Ha de nascer duas vezes
Quem sair desta gangorra"
(João Melchiades, poeta paraibano, ex-soldado na guerra de Canudos,citado por
Paulo Monteiro Varjão, 96 anos, morador de Canudos).
Foto: Flávio de Barros
Chega a Queimadas, o Marechal Carlos Machado Bittencourt, Ministro da Guerra. O governo estava alarmado com a possibilidade de mais uma fragorosa derrota, pois dia-a-dia a situação se agravava no acampamento. No plano militar, não havia novas conquistas e a sobrevivência tornava-se insuportável. Um oficial escreveu em seu diário: "a fome tortura, o calor queima, a sede abrasa, a poeira sufoca e os olhos esbugalhados fitam o vácuo".
O Marechal Bittencourt trouxe consigo um reforço de 3.000 soldados, estabelecendo seu Q.G. em Monte Santo e efetivamente toma providencias enérgicas, conseguindo regularizar o abastecimento das tropas em combate.
Atingido durante um tiroteio, morre em Canudos, Norberto das Baixas, antigo dono de fazenda em Bom Conselho (atual Cícero Dantas - BA) que foi morar em Bello Monte, transformando-se numa das mais respeitadas lideranças conselheiristas.
As torres da Igreja Nova, importantes pontos de defesa da resistência canudense, são derrubadas pela artilharia do Exército. Junto com a torre, veio abaixo o sino e Timotinho, que mesmo durante o conturbado período de guerra, todos os dias, as 6h da tarde, subia à torre da Igreja e tocava a hora da ave-maria. Em um cenário desolado, era um belo e grandioso espetáculo, que ressoava em toda a redondeza.
Vencendo uma forte resistência dos conselheiristas, o Exército ocupa a Fazenda Velha, tido como o melhor ponto estratégico para o bombardeio a Canudos.
No acampamento militar, as condições de higiene e saúde são péssimas. Escreve Fávila Nunes, correspondente de A Gazeta de Noticias (RJ): "A varíola aqui esta grassando de modo assustador. Temos já cinco hospitais de isolamento, repleto de variolosos. Só ontem deram-se 24 casos novos".
Morre Antônio Conselheiro. Para uns, a causa foi um ferimento provocado por estilhaços de uma granada; para outros, foi "caminheira" (disenteria), e ainda há os que acreditam que ele não morreu em Canudos. Estas são as últimas palavras escritas por Antônio Conselheiro em Bello Monte:
"E chegado o momento para me despedir de vos; que pena, que sentimento tão vivo ocasiona esta despedida em minha alma, à vista do modo benévolo, generoso e caridoso com que me tendes tratado, penhorando-me assim bastantemente. São estes os testemunhos que me fazem compreender quanto domina em vossos corações tão belo sentimento! Adeus povo, adeus aves, adeus arvores, adeus campos, aceitai a minha despedida, que bem demonstra as gratas recordações que levo de vós, que jamais se apagarão da lembrança deste peregrino". (Nogueira, 1974:181)
A estrada de Várzea da Ema, último canal de reabastecimento e contato externo de Canudos é tomada pelo Exército. Finalmente, o cerco das forças militares estava completo. A partir de agora ninguém mais poderia sair ou entrar no Arraial.
A guerra de Canudos já durava quase um ano. Oito dos principais jornais do pais enviaram correspondentes ao palco da luta e as notícias não conseguiam explicar tanta dificuldade e demora de um Exército bem equipado em destruir um reduto sertanejo. As perdas militares eram extraordinárias e a impaciência e o cansaço tomava conta de todos. Os Generais Artur Oscar, Silva Barbosa e Carlos Eugênio, decidem não esperar mais, e mobilizam 5.871 homens num choque a toda carga sobre o núcleo central de casas, o último reduto da resistência canudense. Revelando mais uma surpreendente tática de guerrilha, os conselheiristas utilizam fossas subterrâneas que interligam as casas, permitindo ampla mobilidade de ação e com isso provocando muitas baixas na tropa.
Depois de várias horas de fogo cerrado, os soldados conquistam os escombros da Igreja Nova, a mais importante trincheira de defesa do Arraial. Este feito foi comemorado de forma entusiasmada, com o hasteamento da bandeira e execução do hino nacional. Mas, inesperadamente uma tempestade de balas desce sobre a praça. Vinham das ruínas, da fumaça, de tudo o que já fora destruído. Era como se viesse do nada, mas vinham, e causavam muitos estragos. Em resposta, o Exército lança 90 bombas de dinamite e muitas latas de querosene. Depois de três meses de intenso bombardeio, agora o fogo tomava conta do Arraial.
Em meio a guerra, surge por entre as ruínas um homem com uma bandeira branca. Era Antônio Beatinho, que queria falar com o general comandante e disse que lá dentro ninguém agüentava mais, a fome e a sede estavam acabando com todos. Pede pra que pudessem sair em paz. Artur Oscar lhe disse que voltasse lá e trouxesse os homens para se entregarem que ele lhes garantia a vida. Beatinho volta ao Arraial e pouco depois reaparece com um grupo de 300 pessoas: eram mulheres, crianças, e inválidos de guerra, maltrapilhos e doentes. Afirma que todos os homens restantes haviam rechaçado sua proposta de rendição e iriam lutar ate o fim.
Foto: Flávio de Barros
Antônio Beatinho é degolado junto com seus companheiros que se entregaram confiando na palavra do General Artur Oscar em lhes garantir a vida. A degola dos prisioneiros era a consumação final do massacre. Mas esta prática não era nova na campanha. Desde Agosto que os jornalistas relatavam casos praticados de forma discreta na calada da noite. Agora, nos últimos dias da guerra, a "gravata vermelha" como também era chamada a degola, foi larga e amplamente utilizada sem cerimônias, em plena luz do dia.
O acadêmico de medicina Alvim Horcades escreveu: "eu vi e assisti a sacrificar-se todos aqueles miseráveis (...) e com sinceridade o digo: em Canudos foram degolados quase todos os prisioneiros (...) levar-se homens de braços atados para trás como criminosos de lesa-majestade, indefesos e perto mesmo de seus companheiros, para maior escárnio, levantar-se pelo nariz a cabeça, como se fora o de uma ave, e cortar com o assassino ferro o pescoço, deixando a cabeça cair sobre o solo - é o cumulo do banditismo praticado a sangue-frio (...) Assassinar-se uma mulher pelo simples fato de ser o seu companheiro conivente com o que se dava - é o auge da miséria! Arrancar-se a vida a uma criancinha (...) é o maior dos barbarismos e dos crimes que o homem pode praticar". (Horcades, 1899.)
Termina a resistência sertaneja, Canudos estava destruída. Num cenário de fim de mundo, por entre becos e ruelas, uma legião de corpos carbonizados se misturam com as ruínas e as cinzas das 5.200 casas. A elite política, acadêmica e militar do pais estava em êxtase. Os deputados federais da Bahia congratulam-se com o governo pela "completa destruição de Canudos, baluarte de bandidos e fanáticos" e o próprio Presidente da República, Prudente de Moraes, declara: "em Canudos não ficará pedra sobre pedra". Enfim os generais cumpriram o prometido, pois queriam que ali se plantasse a solidão e a morte.
Estima-se que mais de 25 mil conselheiristas morreram no conflito que mobilizou um contingente superior a 12 mil soldados do Exército (mais da metade de todo o efetivo nacional), na maior guerra de guerrilhas que o Brasil já viveu.
Numa preciosidade do pensamento dominante, O Barão de Studart escreve: "Para esse fim houve recurso aos meio mais desumanos, que não convêm registrar a bem dos nossos foros de nação civilizada e cristã".
"Viva a Republica dos Estados Unidos do Brasil! Está terminada a Campanha de Canudos. Desde ontem que os batalhões das forças expedicionárias passeiam suas bandeiras sobre as ruínas da cidadela, com a consciência de bem haverem cumprido o seu dever!".
O corpo de Antônio Conselheiro é localizado no santuário da Igreja Nova.
"Aos seis dias do mês de outubro de 1897, os abaixo assinados examinaram, por ordem superior, os escombros da casa denominada Santuário, residência de Antônio Vicente Mendes Maciel, o Conselheiro, onde se presumia existirem seus despojos mortais, dando como resultado o exame, que se limitou à situação e hábito externo, o seguinte: Na encosta da parede interna, numa das três seções em que se divide a referida parede, encontrou-se uma sepultura guardando um cadáver com os seguintes caracteres: braços cruzados no peito, deitado sobre uma esteira de carnaúba e envolto num lençol branco. Vestia longa túnica de pano azul costurado na fímbria; a cintura abotoada daí até a gola, tendo por baixo dessa túnica uma camisa e ceroula de algodão nacional. Calçava alpercatas de sola. O cadáver media um metro e sessenta de comprido, era de cor morena e idade presumível de sessenta ou cinquenta e cinco anos. Estava em começo de putrefação e apresentava cabelos negros, longos e bastos, fronte estreita, rosto largo e magro de maçãs salientes, guarnecido de barbas longas, nariz destruído na porção musculosa, a maxila inferior, como a superior, desprovida de dentes; mãos descarnadas e pés pequenos. Concluído o exame, que não pôde ser levado adiante por deficiêcnai de meios, reconhecemos pelos sinais descritos e pelo testemunho de muitos prisioneiros e várias pessoas presentes, entre as quais o membro presente da comissão acadêmica, João Pondé, ser o corpo de Antônio Vicente Mendes Maciel, conhecido por Antônio Conselheiro, que aí residia como chefe de um núcleo de fanáticos e aventureiros da povoação de Canudos; no sertão da Bahia." Dr. José Curió (Major-Médico), Dr. Mourão, Dr. Gouveira Freire (Capitães-Médicos), Dr. Jacob Gayoso (Tenente-Médico), João Ponde' (6° anista de Medicina) (Apud Gustavo Barroso, O Cruzeiro, 28.04.1956).
Depois de exumado, o corpo de Antônio Conselheiro foi fotografado por Flávio de Barros, fotógrafo baiano que acompanhou a IV Expedição, e sua cabeça foi cortada e levada para Salvador (BA) para exame do Dr. Nina Rodrigues.
Foto: Flávio de Barros
É lançado em Salvador um manifesto de 41 estudantes baianos protestando contra o "cruel massacre ... exercido sobre prisioneiros indefesos e manietados em Canudos e até em Queimadas". Pouco depois, também Rui Barbosa declara um elogio aos estudantes que " protestam contra a vitória que degola os vencidos".
É assassinado no Rio de Janeiro (RJ), o Marechal Carlos Machado Bittencourt, Ministro da Guerra, que em setembro se deslocara para o sertão baiano, assumindo pessoalmente o comando das operações militares da Guerra. O atentado, que era destinado ao Presidente da República, Prudente de Moraes, ocorreu no momento em que a cidade em festa recebia os primeiros soldados combatentes de Canudos.
É lançado no Rio de Janeiro o livro "Os Sertões", um clássico sobre a epopéia de Canudos, escrito por Euclides da Cunha, que em 1897 havia sido contratado pelo jornal O Estado de São Paulo para in loco produzir uma série de artigos sobre a guerra de Canudos e "além disso, tomara notas e fará estudos para escrever um trabalho de fôlego sobre Canudos e Antônio Conselheiro. Este trabalho será por nos publicado", conforme rezava o contrato entre ele e o "Estado". Alguns anos depois, pela Editora Laemmert, o livro foi lançado no mercado editorial brasileiro, transformando-se numa das principais obras da literatura mundial, já tendo sido traduzido para mais de 10 idiomas, com um número superior a 50 edições brasileiras e sendo objeto de mais de 10 mil trabalhos escritos.
Um incêndio na antiga Faculdade de Medicina do Terreiro de Jesus, em Salvador (BA), destrói a cabeça de Antônio Conselheiro que se encontrava em exposição pública desde o final da guerra de Canudos, em outubro de 1897.
Inicio da chuva que em poucos dias transbordou o Rio Vaza-Barris e encheu o Açude de Cocorobó, cobrindo a velha Canudos.